quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O filho

Estou grávido de um filho que jamais darei à luz. Seu esqueleto foi montado com o mesmo oco das salas vazias, seu corpo foi predito nas aulas de anatomia, seus olhos são duas esferas luminosas defletindo o escuro do pai. Meu rebento não virá ao mundo, e já fala outra língua. Não é que seja a língua dos anjos, mas tem algo de sagrado nela, de ferino nela, de desumano nela, que é cortante, ardente, e que em dois sussurros se poderia fingir ter aprendido. Ao contar os dias de sua morada, dei-lhe em sonho um nome que, acordado, ainda não pude decifrar. Não estou certo do sexo, nem do tamanho dos pés, nem das mãos, nem do número de dedos; mas sei que há nele um gênio que lâmpada alguma poderia dar à luz. Em sonho nossos dois sonhos se confundem e, trocando de plano, partimos de mãos dadas rumo outro sonho abissal.

Luis Gustavo

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