quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Estribilho para um motim

Que faz o ladino em torno da porta?
- Espreita.

Que faz o patrão tão perto da esteira?
- Ordena.

Que faz o capacho tão logo no tacho?
- Aceita.

Que faz o operário tão longe da fábrica?
- Quer chama.

No mundo em que tudo é moeda barata
a voz quando fala é caso de cana
tudo é motivo de medo e conversa
tudo se espreita, se ordena, se aceita.

Luis Gustavo

Formiga-rainha

Uns versos não valem;
mas vale o verso.

Quando a rainha deixa
o formigueiro para

aventurar-se entre objetos
maiores e pousa sobre

meu corpo ingênua
acredita, quem sabe,

que a salvarei do sopro,
do punho e da morte.

Não sabe que, entre dados,
somos duas faces da mesma

sorte. Dou-lhe um piparote.
E volta, ainda assim, ao ermo

das mãos que lhe nego.
Tem as antenas abertas e

com o abdome e a coroa da
cabeça ensaia uma dança.

As pinças, afiadas sob a carne
de meus dedos, são frágeis.

Talvez chame a cavalaria
das formigas, os aviadores,

a marinha mercante. Talvez
seja um deus, quem sabe.

Talvez sejamos nós,
talvez sejamos nós.

Talvez sejamos nós
mirando outro gigante.

Luis Gustavo

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem, 
frase perfeita sempre, talvez verso, 
geralmente sem qualquer adjectivo, 
coluna sem ornamento, geralmente partida. 

Vida toda linguagem, 
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome 
aqui, ali, assegurando a perfeição 
eterna do período, talvez verso, 
talvez interjectivo, verso, verso. 
Vida toda linguagem, 
feto sugando em língua compassiva 
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa! 
leite jorrado em fonte adolescente, 
sémen de homens maduros, verbo, verbo. 
Vida toda linguagem, 
bem o conhecem velhos que repetem, 
contra negras janelas, cintilantes imagens 
que lhes estrelam turvas trajectórias. 
Vida toda linguagem — 
                como todos sabemos 
conjugar esses verbos, nomear 
esses nomes: 
             amar, fazer, destruir, 
homem, mulher e besta, diabo e anjo 
e deus talvez, e nada. 
Vida toda linguagem, 
vida sempre perfeita, 
imperfeitos somente os vocábulos mortos 
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra 
                                                 [a chuva, 
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse 
outra, imortal sintaxe 
à vida que é perfeita 
            língua 
                      eterna. 

Mário Faustino, in 'Antologia Poética'