terça-feira, 2 de setembro de 2014

Teus olhos se me encontram descampado

Teus olhos se me encontram descampado,
o peito nu beirando o céu deserto,
cascos quebrados sobre o chão-carvalho,
me querem nunciar destino incerto.

Teus olhos se me quebram como o orvalho,
qual lacrimoso sal, sal que é deserto,
põem-me no campo feito o espantalho
que esperasse a vida, o sopro eterno.

Já sei que tens um olho marejado
e outro seco de sertão, seco e deserto
- pois contra toda sorte o teu olhar é terno -

de mim não sei se águas hai escapado,
de mim sertões não sei melhor desperto,
com tantos sóis não sei como hai inverno.

Luis Gustavo Cardoso

A mão

Depois de tantos esforços, ei-la cansada: a mão.
Contra o branco do papel, carvão.
Contra o braço que lhe deu razão.
Contra o beco que há na boca: não.
Contra toda a natureza, a mão.

Depois de feita a criação.
Do verbo mais concreto.
Da sílaba perfeita destacada da amplidão.
A rima rude.
A rima rude então.

Para dizer à mulher que o amor chegou
os dois dedos da mão
o médio e o anular.

A flor-desolação
desabrochará quando haja umidade
e não sol.

Luis Gustavo Cardoso