quinta-feira, 24 de setembro de 2015

apontamento sobre os sonhos

Uno escribe para uno mismo.
Jorge Luis Borges

Quanto ficou de Borges no cinema, talvez, fosse bom perguntar. E difícil. Lembro do primeiro vislumbre que tive de Morangos Silvestres: no sonho do homem que sonhava, o sonhado jamais despertou. Sozinho em estação de trem, antiga e abandonada, alguém procura as horas no relógio sem ponteiros. Em preto-e-branco, a imagem denuncia a claridade imensa e insuportável do sonho, zona frequentemente obscura e de passagens, caminhos, lugares vedados. Foi sem querer que imaginei, no próprio protagonista do filme de Bergman, a imagem de Borges.

A visão onírica é, a um só tempo, metafórica e profética. A metáfora reside em redimensionar, para o plano figurado, a matéria insondável dos pensamentos: é como se o nosso corpo nos contasse, no sono, as soluções para problemas que o dia construiu em nós. Nesses casos, parece haver em nós um narrador que embaralha nossas próprias narrativas. Onisciente, só nos entrega no sono fragmentos de nossa própria história. A profecia, por outro lado, está em que o sonho talvez nos induza a traçar, com águas que dele descem, o nosso destino. Ainda é profético, porque nos ajuda a dissolver fronteiras e categorias que antes nos emperravam; e, por tudo isso, nos empurra para ação, quando é chegada a vigília.

Bibliotecas, labirintos, círculos ritualísticos de fogo. Os espaços do sono referenciam lugares materiais. Partimos do plano simbólico para o real, em uma espécie de sem-fim. Residimos não em uma dessas dimensões, mas no entre-elas. No duto por meio da qual ambas se retroalimentam. Mas se o feito sugere alguma dialética, o caminho é coisa diferente. Não há no círculo, no labirinto ou na biblioteca dois percursos idênticos. Estamos sempre tangenciando o caminho já feito, ainda que tentemos reproduzi-lo. E quando entramos no sonho, mesmo para feito inacabado, a imagem dissolvida, e que insistimos em reproduzir, transfigura a imagem passada para criar imagem nova. No labirinto, na biblioteca e nos círculos de fogo, o que nos move e o que nos mata é a busca. E ainda assim, buscamos.

Luis Gustavo

24 de setembro

E nós viramos. Não sei bem se minério, se bichos, se humanos. Mas viramos. Não sei bem se a face, se o corpo, se do avesso. Viramos. Não sei bem se o copo, se as mágoas, se o rosto. Nós viramos. Não sei bem se humanos, se as mãos, se humanos. Sobre a cama, se de lado. Se a bituca do cigarro. Mas viramos. As gavetas, as estantes, as saudades, as mentiras. Nós viramos. O tempo quando virava nós viramos. A ampulheta, muitas vezes; e outras tantas não viramos. E mentimos. Com a alma pendurada nos cabides nossos corpos nós viramos. Como as almas revoltosas no assoalho vão passando. Viramos a cachaça, o calendário, o ano. Mas a página, não. A página tem verso em branco. E perversos, nós viramos, desviramos. O que há de proibido - tecer no silêncio outro tempo. Nós fizemos. Dois a um. Quantos nós nós nos viramos.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

Gregório de Matos


apontamento musical





segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O jardim de delícias terrenas, de Hieronymus Bosch






No site Khan Academy, comentários que ajudam a entender a pintura de Bosch. Pode-se escolher pelas legendas em português, no canto direito inferior do vídeo, em subtitles, options, Portuguese.