sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Omoplatas

O presente grego que me deste era antes alexandrino
e quando viravas de costas eu sabia que a imagem de um anjo
abriria suas asas com a maciez das omoplatas
para que cuidasses do varal.

Para dizer-te a verdade não foi bem o encalacrado coração,
mas o invólucro que o trazia, aquilo que me surpreendeu;
e sabes bem, foi antes a fita;
e antes dela o nó perfeito.

Jamais puseste as mãos úmidas em meu samba-canção
como as colocavas sob o sol daquela tarde,
mas em meu peito sempre as tinhas
iluminadas de longe por um riso de Monalisa.

A estas altas horas da noite sei que estás reclinada
com um livro e pelo menos duas xícaras de café
e alguma cartografia já borrada por guerras.

Mas antes de tais guerras sei também que nossos destinos
só puderam cruzar-se e perder-se porque a borra mesmo
do café confunde em todos nós os nossos caminhos,
feito o escrito dantesco:

Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
tant'era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai.