domingo, 31 de janeiro de 2016

Mesa de centro, detalhe

Reparei, talvez tarde, termos trocado poucas palavras. Enquanto as valises eram abertas debaixo da mesa de centro, talvez nenhuma. De cima e através do vidro eu via teus pés entrarem no esquadro dessa mesa, esbarrando na valise, como se mesmo esse gesto fosse calculado. E via os dois revólveres, sossegados, em conversa mansa um com o outro, deitados sobre a mesa. E pensei meu deus, o que estamos fazendo?

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

El amenazado

Sabrina enviou-me de Buenos Aires um poema de Borges, que reproduzo aqui. Entre outras coisas, deu-me uma caixa de madeira, uma adaga, uma caneta já sem uso e uma bússola. Disse-me que guardasse na caixa todos os outros objetos. Esse recipiente, talvez ideal para o esquecimento, me disse, é a minha lembrança. Alertou-me, ainda, que na viagem de volta seria procurado por alguém; que não recusasse qualquer presente. O voo de São Paulo para Joinville foi turbulento e mais demorado que de costume. Quando recolhia as bagagens, uma moça se apresentou. Disse ser professora de matemática no Instituto Federal, em Rio do Sul. Trocamos umas quantas palavras, com que aleguei ser também professor, e nos despedimos. Antes de sair, voltou-se para mim ainda uma vez, e me entregou um bilhete, que por alguma razão não publicarei. Escrevi para você enquanto estávamos no céu, me disse, enquanto era embaralhada pelos transeuntes.

Joinville, 26 de janeiro de 2016.
Luis Gustavo


EL AMENAZADO
(Jorge Luis Borges)

Es el amor. Tendré que ocultarme o huir.
Crecen los muros de su cárcel, como en un sueño atroz.
La hermosa máscara ha cambiado,
pero como siempre es la única.
¿ De qué me servirán mis talismanes:
el ejercicio de las letras,
la vaga erudición
el aprendizaje de las palabras que usó el áspero Norte
para cantar sus mares y sus espadas,
la serena amistad,
las galería de las bibliotecas
las cosas comunes,
los hábitos
el joven amor de mi madre,
la sombra militar de mis muertos,
la noche intemporal,
el sabor del sueño?
Estar contigo o no estar contigo,
es la medida de mi tiempo.
Ya el cántaro se quiebra sobre la fuente,
ya el hombre se levanta a la voz del ave,
ya se han oscurecido los que miran por la ventana,
pero la sombra no ha traído la paz.
Es ya lo se, el amor:
la ansiedad y el alivio de oír tu voz,
la espera y la memoria
el horror de vivir en lo sucesivo.
Es el amor con sus mitologías,
con su pequeñas magias inútiles.
Hay una esquina por la que no me atrevo a pasar.
Ya los ejércitos que cercan, las hordas.
(Esta habitación es irreal; ella no la ha visto)
El nombre de una mujer me delata.
Me duele una mujer en todo el cuerpo.

Chuva, capíulo al.

No dia seguinte eu estava com a maior dor de garganta. Que eu já previra, aliás, do outro lado da rua, quando mirava nosso hotel e a água no asfalto. Do céu as nuvens desciam e se juntavam para formar um enorme zepelim de aço. Ouvi dizer que por esta cidade, certa vez, passara um zepelim. Os moradores devem ter se assustado. Jamais precavidos porém premeditados. E jamais julgados porém julgadores, foram julgados. Penso em Geni e logo em você. Seus cabelos que eu confundira, ao som de um rádio, em noite grande. Seus cabelos se misturavam aos cabelos de outras moças. Com o barulho da chuva, ameaçadora, horas depois, eu jurava não saber de que cor eram seus cabelos. Se loiros, se negros. Se trazia nos cabelos e no pescoço condicionador barato. E uma certa fixação pelas unhas, hoje bem feitas; pelos pés, sempre modelados em cera; e pelo branco de seu corpo, louça movente, líquida, densa. Como a chuva que golpeava os carros lá fora.