segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O ANO TODO


Janeiro, já sinto
o calor fevereiro
das águas de março.
Abril, nunca minto
em coisas de amor.
É maio, porém, o
mês dos cortejos.
De junho o azul
impossível, a cor
de uns olhos que
em julho desejo.
Agosto é augusto,
preserve-me a vida
nos braços da virgem.
Setembro, se lembro...
Outubro, outrora,
outro dia ainda
falamos de amor.
Novembro, já quase
nos campos pintados.
No fundo da caixa,
depois de outro laço,
na area core do abraço:
dezembro, dezembro.

domingo, 23 de agosto de 2015

Já em agosto

Cette chose qu'on appelle 'exquise'.

Disse a mim mesmo que não voltaria ao corner onde vivíamos tropeçando um no outro. A lama na poça d'água, o lodo nas pedras antigas e o cheiro de umidade da rua da escola eram como que um aviso - e um ímã - para a queda. Ainda assim, os transeuntes passavam por ali. Eu mesmo, antes de topar com você, já tinha reparado nos óculos, nos olhos escuros, nos cabelos e nos dentes tão brancos. Recendidos na quase-noite, cheirando à hortelã que meu avô plantava, entre hortaliças do quintal de sua casa. Sobretudo quando a chuva varria leve nossos quintais: aí então o cheiro da hortelã atravessava o portal enferrujado para tomar todo o bairro. Chego a pensar que esse odor tenha conhecido ou pelo menos compartilhado da umidade das pedras daqui. Estamos longe de tudo, onde quer que estejamos. Se de repente chovesse, talvez pudesse associar o branco de seus dentes com os perfumes que meu avô, talvez o soubesse, fabricava. Sei que venho de uma linhagem de homens tiranos e mulheres inquietas. Mas eu sempre desconfiei que a tirania fosse um vislumbre estético da vida, e que a inquietude fosse uma desconfiança da passagem dela. Desligadas, todas essas coisas se misturam num borrão de nuvens. Como a barra da saia da chuva sobre a terra, vista de cima, de onde se agitam os cordões que nos colocaram, certo dia, na mesma esquina.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Que a luz vai se apagar

Que o universo em vez de explodir - como eles disseram um tempo atrás - agora vai se apagar. Sem mistério e sem alarde. Cientistas do Centro Internacional de Investigações Radioastronômicas da Austrália descobriram que o universo produz duas vezes menos energia do que dois bilhões de anos atrás. Em nossa escala finita, dois bi atrás são muita coisa; mas dois bi à frente não são nada, que isso! Estamos a um passo do futuro. Deu no rádio, na tv e na internet. Apocalípticos, religiosos e ambientalistas ficaram de queixo caído. Não será o dragão-de-sete-cabeças nem a emissão de gás carbono; não será o chicote da besta nem o derretimento do gelo. No imediato horizonte mediato - dê uma espiadinha pela janela - as luzes fora do quarto logo vão se acabar; e não será por conta da má gestão de hidrelétricas nem pela falta de água. Não será de sede, não será de fome, não será de raiva ou de amor. Nem sozinhos. Os bichos todos estamos na mesma barca. Ativistas, caçadores de prosopopeias e causas sem fim, defensores de um direito nato, eterno: vós também estais em extinção. E o que mais castiga a cabeça humana: a culpa não é de ninguém. Boa noite, tchau.