quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem, 
frase perfeita sempre, talvez verso, 
geralmente sem qualquer adjectivo, 
coluna sem ornamento, geralmente partida. 

Vida toda linguagem, 
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome 
aqui, ali, assegurando a perfeição 
eterna do período, talvez verso, 
talvez interjectivo, verso, verso. 
Vida toda linguagem, 
feto sugando em língua compassiva 
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa! 
leite jorrado em fonte adolescente, 
sémen de homens maduros, verbo, verbo. 
Vida toda linguagem, 
bem o conhecem velhos que repetem, 
contra negras janelas, cintilantes imagens 
que lhes estrelam turvas trajectórias. 
Vida toda linguagem — 
                como todos sabemos 
conjugar esses verbos, nomear 
esses nomes: 
             amar, fazer, destruir, 
homem, mulher e besta, diabo e anjo 
e deus talvez, e nada. 
Vida toda linguagem, 
vida sempre perfeita, 
imperfeitos somente os vocábulos mortos 
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra 
                                                 [a chuva, 
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse 
outra, imortal sintaxe 
à vida que é perfeita 
            língua 
                      eterna. 

Mário Faustino, in 'Antologia Poética' 

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