quarta-feira, 27 de julho de 2016

Antiguidades ou cacos modernos

Eu que sempre andei com gatos persas, com o mesmo vigor desconfiei dos siameses. Sobretudo quando andavam aos pares e, simétricos, descreviam no caminhar diante de mim diagonais. Era assim: bastava que eu entrasse na sala e os siameses, cada qual, deslocavam-se dos cantos superiores esquerdo e direito, em trajetória diagonal. Quando cruzavam-se no meio do cômodo, apenas eu os notava. A família assistia à televisão.

Era tarde já e o acordeon do avô estava sobre o armário de seu quarto. Meu avô dormia. E o cheiro da velhice anunciava um silêncio opaco, que sua respiração agravava ainda mais. A cama, o colchão, o criado-mudo, todas as coisas ali eram velhas, como meu avô. Nas venezianas de ferro oxidado o vento era filtrado. Desconfio que trazia menos notícias de fora do que levava as de dentro de seu quarto: os arredores, as hortaliças, os jardins, as fazendas e o universo todo talvez desconfiassem, na entrada da noite, da velhice e do cheiro de meu avô.

Algumas vezes acordei com a cama molhada e, pensando bem e sem pudor, o calor do mijo trazia-me certa paz e uma forma curiosa de afeto. Algumas vezes dormia com os jeans apertados e podia resgatar, ainda mais, a infância presente, no futuro perdida. Algumas vezes, no entanto, de calcinha e camisola, eu carregava para a cama as formigas tanajuras que recolhera durante a tarde; acendia fogo nas cascas de laranja, que minha intuição adivinhava incensadas; e passava frio.

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