quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um girassol da cor de seu cabelo

Aquele sol entrava pela janela de meu quarto: circumperfeito, aberto, direto, claro, quente. As entradas da veneziana permitiam a passagem de outros fios, como se fios de cabelo se anunciassem na atmosfera do quarto. Era uma edícula para o quintal e eu lia Os sonhos não envelhecem e ouvia, como um louco, febril, o disco do Clube da Esquina. Não quero atribuir sentido à história, o sentido está no disco e naquelas tardes inteiras, desfiadas entre o livro de Márcio Borges e o disco. Mas ali eu já pensava - e por isso sentia - muita coisa. Muita coisa determinante, definitiva. Era como se eu tomasse um trem. E a esse êxtase, em que se fundem o gozo estético, a pergunta fundamental sobre quem somos, os amores pretéritos presentes futuros, os sempre-amores, os amigos, somava-se uma calmaria, uma tranquilidade, um não passar das horas. Nem sempre temos horas assim. Da cozinha, da copa, da sala, dos corredores, dos quartos, Maria e Zenaide vigiavam meu sono quieto. Secretamente zelavam por meu distante, sonoro, ensolarado casulo.



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