quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Chuva, capítulo I

Nós chegamos mesmo a acreditar que fossem as crianças dobrando papéis de alumínio lá fora, mas era a chuva carregada de trovões quem batia no portão de lata. E duas ou três vezes nós pensamos que a luz fosse acabar: a lâmpada na quartinha oscilava e zunia, a garrafinha de água meio que se apagava e no teto os insetos se debatiam, desnorteados. Ouvi ainda uma vez um latido solitário, a metros de distância, e dei conta de que a água subira tanto que já fazia ilha. No quarto de dois por três, ela abrira o embrulho para dividir, entre nós, o de passar o dia. E tínhamos ainda uma tarde pela frente. Cada um de nós se dirigia até ela, em silêncio, de cabeça baixa, para recolher de suas mãos algo que pesava mais do que uma migalha. Em silêncio, voltávamos cada um a seu posto, sobre o qual, aliás, e por ora, ela não dera maiores detalhes. A chuva entrou afinal pelas trincas da parede, e desfez lá fora o que eram meninos. Era a chuva mesmo, com raios e trovões que agora metiam medo. Mas eu achava que fazia parte do papel de cada um de nós ficar calado, esperando, no lusco-fusco de lâmpadas velhas, que alguma se queimasse, escutando os trovões e a chuva que abafava os latidos no quintal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário