terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Sobre estantes e livros

Quantas estantes são precisas para caber um homem dentro? Para que ele se encaixe, será antes necessário remover os livros que, um dia, couberam no homem. Se é que couberam. Sem mencionar os livros não lidos, cheirando a velhos, cheirando a novos; os livros-presente, os livros-estantes, os livros que pedem abertura e ofício. Os livros ausentes, os que couberam no homem e os que quase não couberam, também contam? Devem ser removidos das estantes os livros emprestados? Os livros que levaram recados de amor, os livros que trouxeram tais recados, devem também remover-se? Difícil é saber que fazer com os livros habitados, há séculos - quem sabe - por traças e aranhas diminutas. Centenas de gerações penduradas, talvez, numa só vírgula impressa em relevo. Os livros-casa de insetos e incêndios, de cuja posse sabem melhor os insetos e o próprio fogo. Os livros de quina, os de cabeceira, os que servem de calço de mesa, os borrados de café e de tinta. Os livros que nunca saíram de seus lugares, e se integraram às paredes, e foram parar no bucho orgânico da casa. Os livros perdidos no sótão, no sofá da sala. Os livros que brigaram demais entre si: Tolstói versus Dostoiévksi, Brecht versus Stanislavksi, crítica versus criação. Mas ai dos livros desejados, é possível removê-los? Talvez se não os excluísse: quem sabe o homem se tornasse um livro mesmo? Um livro-sujeito, um livro-pensante, um livro com pernas, mãos, estômago, pulmão. Ai então.

LUIS GUSTAVO

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