domingo, 29 de maio de 2016
Os lá de casa
Tu sabes o que é não ter perto o irmão caçula? Deixar-se estar imaginando, passando-lhe as tuas mãos entre os seus cabelos macios, que crescem mais rápido e mais grossos. E a irmã do meio, cuja sombra cresce e se afasta no chão? Cujo sorriso denuncia a mudança de fases, como a lua, de noite, como o sol, de dia, num ir e vir inconstante. E a voz da mãe, que chama da cozinha? Panelas, colher-de-pau, pratos sobre a mesa. E sua pergunta fundamental, simples, definitiva, em seus lábios mais sincera, ecoando sobre os tempos: ''tudo bem?'' Tu sabes o que é ter longe de si o sorriso franco, aberto, sereno do pai? Seus cabelos já grisalhos, poucos, que o vento acha na tarde de domingo, quando na cadeira de vime e de balanço. E os cães de todos: primas, tios, correndo pelas garagens, em cada porta atravessando casas, cidades inteiras, para costurar a história de uma só família. E a memória da avó, para sempre modificada em nossa própria memória? Diz pra mim uma coisinha: tu sabes bem o que é não ter perto os amigos? Sua presença, silenciosa ou plena de ruídos, firme, atenta. Seu corpo que é um corpo só de escutas, de cuidados. Sua alma, que é uma alma de caminhos, de empreitadas, de um não-tempo, de um sempre-já. Tu sabes o que é imaginar a tua cidade, como ela era, sabendo-a em cada instante radicalmente mudada? Imaginar as praças que o concreto suprimiu em tua ausência, as árvores de corações partidos, a velha escola, a velha rua, a velha casa. Tu sabes? Pois é.
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