sábado, 19 de dezembro de 2015
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
Estribilho para um motim
Que faz o ladino em torno da porta?
- Espreita.
Que faz o patrão tão perto da esteira?
- Ordena.
Que faz o capacho tão logo no tacho?
- Aceita.
Que faz o operário tão longe da fábrica?
- Quer chama.
No mundo em que tudo é moeda barata
a voz quando fala é caso de cana
tudo é motivo de medo e conversa
tudo se espreita, se ordena, se aceita.
Luis Gustavo
- Espreita.
Que faz o patrão tão perto da esteira?
- Ordena.
Que faz o capacho tão logo no tacho?
- Aceita.
Que faz o operário tão longe da fábrica?
- Quer chama.
No mundo em que tudo é moeda barata
a voz quando fala é caso de cana
tudo é motivo de medo e conversa
tudo se espreita, se ordena, se aceita.
Luis Gustavo
Formiga-rainha
Uns versos não valem;
mas vale o verso.
Quando a rainha deixa
o formigueiro para
aventurar-se entre objetos
maiores e pousa sobre
meu corpo ingênua
acredita, quem sabe,
que a salvarei do sopro,
do punho e da morte.
Não sabe que, entre dados,
somos duas faces da mesma
sorte. Dou-lhe um piparote.
E volta, ainda assim, ao ermo
das mãos que lhe nego.
Tem as antenas abertas e
com o abdome e a coroa da
cabeça ensaia uma dança.
As pinças, afiadas sob a carne
de meus dedos, são frágeis.
Talvez chame a cavalaria
das formigas, os aviadores,
a marinha mercante. Talvez
seja um deus, quem sabe.
Talvez sejamos nós,
talvez sejamos nós.
talvez sejamos nós.
Talvez sejamos nós
mirando outro gigante.
Luis Gustavo
Vida Toda Linguagem
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectórias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
Mário Faustino, in 'Antologia Poética'
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectórias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
Mário Faustino, in 'Antologia Poética'
domingo, 6 de dezembro de 2015
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